EVOLUÇÃO FONÉTICA
1) Definição
Na passagem, em lenta evolução, dos vocábulos do latim para o português, operaram-se vários fenómenos fonéticos (transformações de sons), quer vocálicos, quer consonânticos.
Mesmo depois de fixada a língua portuguesa, continuaram a verificar-se muitos destes fenómenos que ainda hoje são vivos, quer na língua popular quer na linguagem corrente.
2) Porquê que ocorre essa evolução
Essas transformações visam a facilidade de articulação dos vocábulos e são os seguintes os princípios que as caracterizam:
- Lenta evolução: as transformações operam-se lentamente, através dos séculos.
- Princípio do menor esforço: inconsciência na evolução, os indivíduos falantes não têm consciência das transformações; resultam elas de uma tendência natural para reduzir de mínimo esforço necessário para a pronúncia de certos fonemas.
3) Principais fenómenos operados nestas transformações
3.1. Sílaba tónica
Na evolução do latim para o português perde-se por vezes algumas sílabas das palavras. A sílaba tónica, porém, persiste por ser a que mais feria o ouvido. Ex. vostra mercede®Vossa mercê®Você
3.2. Atracção pela tónica
Pela sua força, a vogal tónica atrai, por vezes, as vogais das sílabas átonas (atracção pela tónica). Ex. rabia(m)®raiba®raiva
Outras vezes as vogais pré-tónicas e pós-tónicas caem. Ex. bonitate(m)®bom(i)dade®bondade; uiride(m)®uir’de®verde.
3.3. Analogia
Como consequência da persistência da sílaba tónica, o acento tónico mantém-se, em geral, na sílaba em que estava no latim. Há porém algumas excepções como por ex. eramus (1ªpessoa do plural do imperfeito do indicativo do verbo ser)®éramos (por influência das formas «era», «eras»).
3.4. Outros
- Vocalização
octo®oito
saltu(m)®sautu®souto
alteru(m)®aut’ro®outro
absente(m)®ausente
- Queda das consoantes sonoras. Crase e sinérese.
pede(m)®pee®pé (crase: resultado da contracção uma vogal)
lege(m)®lee®lei (sinérese: resultado da contracção um ditongo)
Evita-se assim um hiato.
- Sonorização (ou abrandamento)
lupu(m)®lobo
totu(m)®todo
lacu(m)®lago
p®b, t®d, c®g
- Ensurdecimento
celebs®celeps
b®p, d®t, g®c
- Assimilação
Ex. nostru(m)®nostro®nosto®nosso; ipsu(m)®isso. Aqui o /t/ e o /p/ se tornaram igual ao /s/
Há dois tipos de assimilação: completa (quando um fonema se adapta a outro tornando-se igual a ele. Ex. fabulare®fab’lar®fallar®falar; bilancia®balancia®balança) e incompleta (quando um fonema se adapta a outro fonema tornando-se semelhante a ele; uipera(m)®víbera®víbora; comite(m)®com’te®conde).
Assimilação por elevação: a®a®S®e®i e a®J®o®u.
Assimilação por abaixamento (é o contrário) (ex. tolonium®toloneum, columna®colomna).
- Dissimilação
Fenómeno contrário do anterior. Consiste em evitar dois sons semelhantes na mesma palavra; para isso, um deles torna-se diferente (ex. liliu(m)®lírio, anima(m)®an’ma®alma, ministro®menistro (na língua corrente)).
- Palatalização ou palatização
Grupos fonéticos que evolucionaram para um som palatal.
Ex. hodie®hoje
filiu(m)®filho
ciconia(m)®cegonha
plumbu(m)®chumbo
flama(m)®chama
clamare®chamar
ovicula®ovic’la®ovelha
inflare®inchar
di®j
ni®nh
cl e fl mediais®lh e ch
ll®lh
pl, fl e cl iniciais®ch
- Nasalação ou nasalização
Consiste na influência que as consoantes «m» e «n» exercem sobre as vogais com que se acham em contacto nasalando-as (ex. lana(m)®lãa®lã, canes®cães, mihi®mi®mim).
- Elisão e adição
Elisão: queda de vários sons no princípio, meio ou fim da palavra.
- Aférese: apoteca(m)®bodega.
- Síncope: viride(m)®vir’de®verde.
- Apócope: amorem®amore®amor.
Adição: acrescentamento dos sons no princípio, meio ou fim da palavra.
- Prótese: thunu(m)®atum.
- Epêntese: credo®creo®creio (para evitar o hiato).
- Paragoge: amore, flore, martire, Arturio (evolução popular), sic®si®sim, mihi®mi®mim.
- Outros fenómenos
- Metátese: transposição de um fonema dentro da sílaba ou da palavra (super®sobre, merulu(m)®mer’lo®melro).
- Metafonia: alteração do timbre da vogal tónica pela influência das vogais átonas (mentir/minto, jogo (jocum)/jogos (jocos), olho (oculum)/olhos (oculos)).
- Haplologia: supressão de uma sílaba vizinha de outra, idêntica, ou igual, na mesma palavra (bondade + oso®bon(da)doso®bondoso, caridade + oso®cari(da)doso®caridoso).
- Rotacismo: transformação do «s» primitivo intervocálico em «r» (mosis®moris, eso®ero).