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DISCURSO

 

Definição

 

        Conjunto de enunciados que manifestam certas propriedades verbais.

            Sequência de enunciados que globalmente configuram uma unidade linguística superior à frase.

            Acto de enunciação. O discurso emana de um locutor, dirige-se a um alocutário.

 

1) Discurso objectivo

 

        O narrador não toma qualquer partido.

            As marcas do sujeito da enunciação são praticamente inexistentes.

            Observação directa e intencional da realidade (observação quase científica).

            Conhecimento psicológico das personagens (meio social, localidade, casa, hábitos, vestuário, etc.).

            Associado à focalização externa.

Ex. Era alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entalado num colarinho direito. O rosto aguçado no queixo ia-se alargando até à calva, vasta e polida, um pouco amolgada no alto; tingia os cabelos que duma orelha à outra lhe faziam colar por trás da nuca.

 

2) Discurso parcial

 

        O narrador toma partido duma personagem.

 

3) Discurso subjectivo

 

            Marcado pela presença do emissor ou por deíticos. Ex. me levantei para beber água. Marcas do sujeito da enunciação.

 

            3.1. Discurso avaliativo

            Caracteriza-se pela inscrição indirecta do sujeito da enunciação no enunciado, através de expressões linguísticas que traduzem uma atitude apreciativa.

São atribuídos qualidades ou defeitos, valor ou demérito aos factos, às situações, às personagens.

Considerações através do recurso a advérbios e adjectivos do narrador (ex. grande, quente, numeroso, difícil, etc.) ou até mesmo através de substantivos e de verbos que veiculam uma apreciação ou um juízo de valor do locutor (ex. charlatão, herói, verdugo, merecer, insultar, pilhar, felizmente, etc.).

Ex. Apareceu um homenzinho. No alto da sua quietude lôbrega.

Ex. Percorro esta longa galeria de retratos distorcidos, malignos, sesgados de acidez; e só ao fim, como o apelo de um cansaço, raiado de uma luz silenciosa de ogiva, esse bom do P. Alves, tão verdadeiro e humano, que era humano e verdadeiro mesmo ali.

 

            3.2. Discurso pessoal

            Presença explícita do sujeito da enunciação no enunciado por meio de «embrayeurs» (Jakobson).

            Expressa-se sobretudo por meio dos pronomes pessoais e formas verbais de primeira e segunda pessoa e também por todo o deítico que localize (em termos espaciais ou temporais) o sujeito da enunciação. São deíticos os pronomes pessoais e possessivos de 1º e de 2º pessoa, os demonstrativos e certos advérbios de tempo e de lugar. Ex. este, isto, aqui, hoje, ontem, amanhã, etc.

            Outras formas de inscrição discursiva do eu, nomeadamente através da utilização dos tempos e modos verbais (presente).

 

            3.3. Discurso figurado

            Recursos estilísticos (imagens, aliterações), adjectivação.

            Grau de conotação.

-          metaplasmos (figuras que operam sobre o aspecto sonoro ou gráfico das palavras, fonemas e grafemas)

-          aférese (supressão duma sílaba ou dum som no início duma palavra) ex. Quele em vez de Aquele.

-          síncope

-          epêntese (aparecimento duma vogal ou duma consoante não etimológico no meio duma palavra)

-          paronomásia (aproximação dos parónimos numa mesma frase) ex. Tenho quatro quartos.

-          anagrama (palavra formada por letras duma outra palavra mas numa ordem diferente) ex. Amar/Rama

-          trocadilho

-          etc.

-          metataxes (figuras que afectam a estrutura frástica do discurso)

-            elipse (omissão de um termo) ex. A capital (em vez de a cidade capital), uma folha (em vez de uma folha de papel); Um senhor. Até na miséria, um senhor (omissão de um verbo).

-            assíndeto (sucessões de orações sem conjunção coordenativa) ex. Lavava roupas da Baixa, vestia, usava, lavava outra vez, levava.

-            pleonasmo ex. Sai lá para fora. Ó mar salgado. A mim não me enganas.

-            polissíndeto parataxe (emprego reiterado de conjunções coordenativas) ex. Fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!

-            anacoluto (mudança de construção sintáctica) ex. Umas carabinas que guardava atrás do guarda-roupa, a gente brincava com elas, de tão imprestáveis.

-            etc.

-          metassememas (figuras em que se encontram implicadas as características sémicas do discurso)

-            sinédoque (procedimento que consiste em considerar uma parte para o todo, o todo por uma parte, o genro por uma espécie, uma espécie por um genro, etc.) ex. Pagar tanto por cabeça; Comprar um visão.

-            animismo (relação com os animais) ex. Lentamente, o casarão foi rodando com a curva da estrada, espiando-nos de alto pelos cem olhos das janelas. Ses lèvres minces se développaient sur des dents qui avançaient.

-            comparação ex. Ses jambes semblaient se dérober sous lui. Le bruit de cloche retentit comme dans un lieu solitaire. La pupille de ses yeux s’arrondissaient comme celle d’un chat.

-            metáfora ex. Estava enrolado na multidão. Voilá donc cet enfer sur la terre.

-            metonímia ex. Apareceram vários padres de sentinela. E na pura ameaça do seu olhar de sombra. Vou beber um copo.

-            etc.

-          metalogismos (figuras que modificam o valor lógico da frase)

-            hipérbole (exagero duma expressão para produzir uma forte impressão) ex. Um gigante (para um homem pequeno).

-            antítese (oposição de duas palavras ou expressões traduzindo ideias contrárias) ex. desde o berço/amor por alfarrábios ,ex. ainda gatinhava/folheando in-fólios

-            eufemismo (anular um efeito chocante ou degradante por um efeito doce) ex. Não estar muito novo (em vez de velho).

-            ironia (fazer entender o contrário daquilo que se diz) ex. este notável menino (sentido negativo).

-            paradoxo (opinião contrária à opinião pública).

-            etc.

 

            3.4. Discurso conotativo

 

            Recurso significativo a vocábulos afectados pelo fenómeno estilístico da conotação (significante).

Palavras escolhidas em função da carga eufórica ou disfórica.

            Uso frequente de diminutivos. Ex.  craniozinho, perninhas, linguazinha

Sentidos figurados.

Ex. Chegadas à boca do portão, nos tragou a todos imediatamente, cerrando as mandíbulas logo atrás (relação com os animais selvagens).

Ex. La pupille saillante et verte de ses yeux comme celle d’un chat.

Ex. Longa galeria de retratos distorcidos, malignos, sesgados de acidez (ambiente ameaçador, apreensão subjectiva e transfigurativa de uma parcela de um passado já distante).

 

            3.5. Discurso modalizante

 

            Expressões linguisticas que assinalam a atitude do locutor em relação ao conteúdo preposicional do seu enunciado. Marca da focalização interna.

            Meios como o narrador manifesta a maneira como vê a evolução do seu próprio enunciado.

            Limitação do conhecimento que aumenta o grau de verosimilhança (próximo da realidade).

            O discurso modalizante é formulado normalmente por verbos e expressões adverbiais de dúvida. Ex. talvez, provavelmente, é possível, é provável, é incontestável, sem dúvida, certamente, julgar, querer, parecer, supor.

Ex. Mme De Rênal paraissait une femme de trente ans.

Ex. Le ciel chargé de gros nuages semblait anoncer une tempête.

Ex. P. Tomás avança. Olha ao lado, brevemente, ao passar a terceira fila, e eu penso:«Desgraçado. Tu estavas a falar com o Semedo.» Mas P. Tomás não parou. Olha agora à esquerda, ou eu julgo que olha, e tremo todo pelo Fabião, que me pareceu a dormir.

 

3.6. O tempo: a frequência

 

            3.6.1. Discurso singulativo

 

        Instantaneidade da acção. É marcado pela focalização interna.

Ex. Il se décida à sonner. Le bruit de la cloche retentit. Julien le regarda.

Ex. Foi rodando, foi subindo, ia separando.

Ex. Na 2ª, Ana foi ao mercado. Na 3ª a Ana foi ao mercado. Na 4ª etc.

 

                        3.6.2. Discurso iterativo

 

Ex. Todos os dias, a Ana foi ao mercado.

 

                        3.6.3. Discurso repetitivo

 

Ex.       (2ª feira) Hoje, a Ana foi ao mercado.

            (3ª feira) Na Segunda, a Ana foi ao mercado.

            (4ª feira) Na Segunda, a Ana foi ao mercado.

 

3.7. Discurso abstracto

 

            Forma de desmascarar e fazer validar a opinião do narrador.

            Emprego de reflexões.

            O eu dissimula-se pela utilização de uma 3ª pessoa ou  de um sujeito indeterminado.

            Expressões de verdades absolutas (universais ou de opinião pública) fora de qualquer referência temporal e espacial.

Ex. o homem não chora

Ex. Rien ne peut empêcher un fils bien né de venger l’honneur de son père.

 

4) Discurso dramático

 

            As personagens fazem coisas falando.

            As suas falas são as acções mais importantes.

 

5) Discurso narrativo

 

            5.1. Discurso directo

 

            Produção das palavras do falante tal como foram pronunciadas (ex. monólogo interior).

 

            5.2. Discurso indirecto

 

            Aquilo que foi dito por outro e que foi integrado no discurso do narrador.

            O narrador selecciona, resuma e interpreta a fala e/ou pensamentos das personagens.

 

            5.3. Discurso misto ou indirecto livre

 

            Mantém-se as interjeições e a pontuação que dá a expressividade ao discurso directo.

            Desaparecem os verbos de introdução do discurso directo.

            Ocorrem as transformações normais do discurso indirecto.

            Solidariza o narrador com a personagem.

Ex. A professora de TL olhou para os alunos. O que estariam aqueles caramelos a fazer? Ela dava-lhes trabalho e eles faziam aquela algazarra?!

Ex. Elle se rappela des soirs d’été tout plein de soleil. Les poulains hennissaient quand on passait, et galopaient, galopaient... Il y avait sous sa fenêtre une ruche à miel, et quelques fois les abeilles, tournoyant dans la lumière, frappaient contre les carreaux comme des balles d’or rebondissantes. Quel bonheur dans ce temps lá! Quelle liberté! Quel espoir! Quelle abondance d’illusions! Il n’en restait plus maintenant!

O estilo