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FOCALIZAÇÃO

 

 

Definição

 

            Perspectiva a partir do qual o acontecimento é contado.

            Representação da informação diegética que se encontra ao alcance de um determinado campo de consciência (personagem da história ou narrador heterodiegético).

            A focalização

-          condiciona a quantidade de informação veículada (eventos, personagens, espaços, etc.)

-          atinge a sua qualidade por traduzir uma certa posição afectiva, ideológica, moral e ética em relação a essa informação

 

Narração

 

        O narrador relata os acontecimentos de diferentes pontos de vista.

-          narração heterodiegética (narrador não participante, ele não é uma personagem, relata apenas uma história à qual é estranho)

associada à focalização omnisciente

o narrador exprima-se frequentemente na 3ª pessoa

ele protagoniza intrusões que traduzem juízos específicos sobre os eventos narrados

Ex. Thérèse grandit, couchée dans le même lit que Camille, sous les tièdes tendresses de sa tante. Elle était d’une santé de fer, et elle fut soignée comme une enfant chétive, partageant les médicaments que prenait son cousin, tenue dans l’air chaud de la chambre occupée par le petit malade.

-          narração homodiegética (narrador participante na acção, é uma personagem secundária)

associada à focalização restritiva

o narrador veicula informações advindas da sua própria experiência diegética

tendo vivido a história como personagem, o narrador retirou daí as informações que carece para construir o seu relato

ele participa na história não como protagonista mas como figura cujo destaque pode ir da posição de simples testemunha imparcial a personagem secundária estreitamente solidária com a central

Ex. Mas de Guilherme quero falar, e uma vez por todas, porque também me impressionaram as suas singulares feições, e é o próprio dos jovens ligar-se a um homem mais velho e mais sábio não só pelo fascínio da palavra e pela agudeza da mente mas também pela forma superficial do corpo, que se tornava queridíssima, como acontece com a figura de um pai, a quem se estudam os gestos e as cóleras e se espia o sorriso – sem a menor sombra de luxúria a inquietar esta forma de amor corpóreo.

-          narração autodiegética (narrador participante na acção, é a personagem principal que relata as suas próprias experiências, é o responsável por uma situação ou atitude narrativa específica)

o uso do registo da 1ª pessoa gramatical é frequente

Ex. Sentei-me, apunhalado de violência. Mas o Reitor, que estava lendo um grosso volume, abandonou-me ali durante alguns instantes. E eu pude então repousar um pouco. Olhei a sala, sintética de arrumo e de clareza, vi, por uma porta entreaberta, num aposento interior, a colcha branca de uma cama, ouvi o tanoeiro que cantava longe ao sol. E nesse convite familiar do ambiente, nesta súbita revelação da intimidade das coisas, ergui confiadamente o olhar dorido para o homem, na esperança triste de que ele fosse humano e bom.

Ex. (narração autodiegética mais omnisciência) E todavia, ao expirar, consola-me prodigiosamente esta ideia: que de norte a sul e do oeste a leste nenhum mandarim ficaria vivo se tu, tão facilmente como eu, o pudesses suprimir e herdar os milhões, ó leitor.

 

1)      Focalização interventiva

 

O narrador dá uma opinião.

O discurso é subjectivo.

 

2)      Focalização omnisciente

 

O narrador sabe tudo acerca das personagens, a nível interior e exterior. Ele faz uso de uma capacidade de conhecimento praticamente ilimitada.

Não implica uma representação exaustiva em absoluto, do que se trata é de facultar aquelas informações que são necessárias para se compreender a economia da história.

O narrador pode ser o sujeito da focalização. Ele resuma ou distenda o tempo diegético, suprima lapsos cronológicos, opere retrospectivas, etc.

As possibilidades selectivas da focalização omnisciente implicam uma vertente subjectiva (o narrador selecciona o que deve relatar, explícita ou implicitamente interpreta e formula juízos valorativos). Possibilidade de antecipar acontecimentos (prolepse).

Ex. Thérèse grandit, couchée dans le même lit que Camille, sous les tièdes tendresses de sa tante. Elle était d’une santé de fer, et elle fut soignée comme une enfant chétive, partageant les médicaments que prenait son cousin, tenue dans l’air chaud de la chambre occupée par le petit malade.

Ex. Amélia estava há muito namorada do padre Amaro – e às vezes, só, no seu quarto, desesperava-se por imaginar que ele não percebia nos seus olhos a confissão do amor! Desde os primeiros dias, apenas o ouvia pela manhã pedir de baixo o almoço, sentia uma alegria penetrar todo o seu ser sem razão, punha-se a cantarolar com uma volubilidade de pássaro.

 

10) Focalização interna

 

Ponto de vista de uma personagem inserida na acção.

O que está dentro do alcance do campo de consciência da personagem, objecto da sua reflexão interiorizada.

Quando nós sabemos quais são as motivações das personagens.

Comanda frequentemente a evocação do passado, especificamente através da sua efabulação mais radical que o monólogo interior.

            Reconstituição pormenorizada e como que revivida de acontecimentos interpretados no passado da história pelo narrador. Marca o discurso singulativo e do discurso modalizante.

Ex. Il vit de loin la croix de fer. Il approcha lentement.

Ex. A luz da candeia, quando muito, alcançava os pés da cama. A seguir, numa zona indecisa, onde a penumbra ia ganhando palmo a palmo a consistência da sombra, Guilhermina adivinhava os objectos pelo hábito: a mancha esbranquiçada do lavatório, uma cadeira, o armário de pinho. Ao fundo, o quarto mergulhava no escuro. Se a chama oscilava ou o fumo a enegrecia tudo isto se tornava porém incerto e trémulo.

 

10.1. Focalização fixa

 

        O narrador apresenta os factos segunda a mesma perspectiva, os mesmos critérios.

            A focalização está centrada numa só personagem (muitas vezes a protagonista).

 

10.2. Focalização variável

 

       O narrador apresenta os factos segunda as perspectivas de várias personagens (acções diferentes ou mesma acção).

            Núcleo focalizador do relato por várias personagens (romances policiais ou romances epistolares).

 

10.3. Focalização múltipla

 

        O narrador utiliza vários tipos de focalização.

            Aproveitamento (quase sempre momentâneo e esporádico) da capacidade de conhecimento de um grupo de personagens da história.

Ex. Os empregados da administração, em grupo, de olho arregalado, observavam dois padres, que tinham parado à esquina da igreja.

 

11)    Focalização externa

 

Esforço do narrador, no sentido de se referir de modo objectivo e desapaixonado aos eventos e personagens que integram a história.

O narrador só vê o que um espectador hipotético veria.

Lugar estratégico da inscrição da focalização externa é o início da narrativa, quando o narrador descreve uma personagem desconhecida.

Frequentemente, dialéctica entre o ver e o visto, o interior de quem contempla e o exterior contemplado.

Não sabemos porque a personagem agiu de uma certa maneira.

Ex. o aluno levantou-se e deu uma chapada.

Ex. o romance policial.

Ex. Um homem vagueava ali, contudo, que não parecia dar-se grande pressa em entrar. Ia e vinha, parava, esquadrinhava a multidão, passava automaticamente de grupo a grupo, nesta ansiedade tortuosa de quem procura com aferro alguém. No olhar, dilatado e teimoso, duma secura inflamada e vítrea, fulgurava a obstinação dum desejo; ao passo que na boca a brasa do charuto, numa febre de pequeninos movimentos bruscos, denotava que os lábios e as maxilas eram nervosamente sacudidos por uma forte preocupação animal.

 

Paralipse

 

            É fornecida menos informação do que aquela que o código utilizado obrigaria.

 

Paralepse

 

            Fornece mais informação do que era suposto fornecer.

            Fala-se de paralepse na focalização interna e externa.

Ex. Da janela do quarto, D. Lúcia vê-o desaparecer para lá da capela. As ferraduras da baia desprenderam uma nuvem de poeira: ao rés do chão o pó é denso, mas sobe, esfarrapa-se, enrola-se nos eucaliptos como um fio cada vez mais fino de lã suja (um novelo parecido com o que Raimundo viu na véspera, a enredar-se pelo pinhal, quando o Major e a égua passaram por ele à desfilada), até que se dissolve na lucidez do ar.

Ex. (associada à prolepse) Quando enfim chegámos ao grande casarão que já nos estava esperando na curva costumada, todos nós nos atirámos para um fundo esquecimento de Deus e do Inferno, da vida e da morte. E foi assim que eu disse ao Gama um adeus urgente, desesperado de tudo, sem de longe imaginar que nunca mais, até hoje voltaria a conversar longamente com ele.

 

Analepse

 

        Relatar eventos anteriores ao presente da acção.

Ex. Subitamente, fulminantemente – lembro-me. Pela noite quente, bato à tua janela, tínheis os quartos separados. Deitada sobre a cama, nua. Apenas um lençol cobrindo-te até ao ventre. Morena, nua. (corte brusco, presente histórico)

Ex. A névoa repousava por cima das casas, mergulhando-as em sonho ou encanto – e Abílio sentia o coração mirrar-se de alvoroço. Voltava! Voltava para os ensaios da música no sobrado do padre Brás, para as festas no palácio dos Mattosos, gozadas do alto dos ramos dos castanheiros, com senhoras da cidade e fidalgos que se escondiam nas sebes, aos beijos e às risadas. Vida boa. (tom emotivo, tempo infantil)

 

Prolepse

 

            Movimento de antecipação, pelo discurso, de eventos cuja ocorrência, na história, é posterior ao presente da acção.

Ex. Manuel Espada teve de ir guardar porcos e nessa vida pastoril se encontrou com António Mau Tempo, de quem mais tarde, em chegando o tempo próprio, virá a ser cunhado.

 

Metalepse

 

            Passagem de elementos dum nível narrativo a outro nível narrativo.

Ex. Subamos e, por entre os criados que encontrarmos nas escadas e corredores, penetremos na sala de onde provém o ruído da festa que já noticiámos. O leitor por certo conhece o recinto.

A norma